Na cidade de São Paulo, “num final de semana típico, cerca de 3.000 pessoas participam de concursos de videokê”. São dados do documentário Strangers in the Night, do Canal GNT.
Confesso que eu não tinha idéia da dimensão desse fenômeno! Apaixonada pelo canto, fique espantada em saber que tanta gente faz dessa opção seu lazer principal. Para alguns, o videokê se torna até um ritual, um compromisso e, às vezes, quase uma obsessão.
Assistindo os depoimentos na TV, inevitável tecer comparações com o mundo do canto coral e dos alunos particulares de canto, no qual transito regularmente.
Aqueles que são mordidos pelo bichinho do canto coral gostam da harmonia, da mescla de vozes e se sentem confortáveis em “esconder” sua voz no grupo. Aliás, costuma ser difícil conseguir que um coralista mais talentoso faça um solo. É destaque demais para quem está acostumado ao anonimato dos naipes.
Já os cantores de videokê fazem mais a linha “solista”, “pop star”. Gostam de se destacar, de mostrar sua própria voz e geralmente não são muito chegados em adaptar seus dotes às necessidades de um grupo. Não que eles não gostem de companhia, pelo contrário. Cantar com a platéia, sentir que os amigos estão presentes, isso constitui uma boa parte da diversão, porque dá uma gostosa sensação de pertinência, de fazer parte de uma tribo. Mas vejam bem, o nome dessa tribo é “platéia” e não “coral”.
Uma outra diferença entre os dois tipos de cantores é que os do videokê se arriscam, se atiram na experiência, e vão aprendendo à medida que vivenciam o canto e se expõem. Já os coralistas e alunos de canto preferem se preparar cuidadosamente, antes de dar a cara a tapa naquilo que alguém do programa chamou de “mico master”! Simplificando bastante, poderíamos dizer que uns são mais da ação, outros são mais da reflexão. Os que agem, parecem lidar melhor com aquela voz crítica interior, enquanto os demais são mais suscetíveis ao julgamento alheio (e principalmente ao próprio...)
O documentário apresentou um dado tão interessante quanto discutível. Sem citar a fonte ou a base da afirmação, foi dito que “75% das pessoas acham que cantam bem”. Isso pode ser realidade no mundo do videokê, mas seria necessário um levantamento amplo e preciso para poder dizer isso da população em geral. Eu, por exemplo, encontro muito mais pessoas travadas, com medo de cantar. Mas isso certamente se deve ao meu ponto de vista, pois sou procurada por pessoas que querem controlar melhor sua insegurança vocal...
De qualquer maneira, no videokê os artistas costumam se sentir o máximo, achando que estão arrasando, o que faz parte do aspecto terapêutico dessa atividade de lazer. É mais uma poderosa arma anti-stress, anti-timidez, anti-solidão. Perante a torcida de amigos, o pessoal não se intimida e solta a voz!
A psicóloga Lídia Aratangy apresentou uma questão curiosa: os japoneses se dedicam ao videokê com tamanha seriedade, que ele acaba se tornando uma espécie de militância. E essa dedicação se torna, de certa forma, um salvo-conduto para abusar da freqüência às casas especializadas. Afinal, quem vai censurar uma atividade de lazer realizada com tanto empenho?
E haja empenho: no Japão, um Concurso nacional anual costuma começar com 80.000 concorrentes! Há alguns anos, o primeiro estrangeiro a vencer o Concurso foi um brasileiro de ascendência japonesa, que domina como poucos a técnica de cantar com videokê.
Essa técnica envolve, entre outras coisas, a precisão de encaixar a letra na gravação e cantar em alto e bom som. Quanto melhor a adaptação a essas regras do jogo, melhor a nota que o aparelho apresenta.
Talvez por isso mesmo os compositores e cantores profissionais tirem notas baixas ao apresentar suas criações. Como artistas, eles cantam “ad libitum”, ou seja, de acordo com sua própria vontade. Eis o diagnóstico que Sidney Magal recebeu do videokê ao tirar uma nota média cantando "Sandra, Rosa, Madalena": “Você leva jeito. Se treinar, poderá vir a ser um profissional”...